A origem da paixão


    As motos foram os únicos objectos que me conseguiram despertar uma paixão que, apesar das vicissitudes da vida, perdurou até à data.

Nos dois anos lectivos 79/80 e 80/81, tinha eu 16/17 anos e frequentava o curso de mecanotecnia na Escola Secundária Afonso Domingues, sito na freguesia de Marvila em Lisboa (antiga escola industrial centenária, que agora está abandonada desde 2010, à espera de ser demolida).


Turma da ES Afonso Domingues
A turma era altamente heterogénia. Havia os betinhos, os estilosos, os atrevidos e alguns algo "mafiosos". Mas ninguém rejeitava ninguém. Bem pelo contrário, ao longo daqueles dois anos tornamo-nos altamente coesos, reinando sempre a amizade e a boa disposição. Foi nessa altura que me saltou a chispa pelas motos. Um deles (o betinho)  tinha uma Casal Boss que me fez despertar a atenção e lembro-me de outro contar o seu drama pessoal, quando tinha vendido a motorizada para comprar uma aparelhagem de som e que agora estava arrependidíssimo e queria recuperá-la.


A 1ª revista- PS Die Motorrad
Desde aí ficou definitivamente resgatada a minha atenção. É verdade que também fui um amante dos carros. Comprei a revista francesa L'Automobile de forma quase ininterrupta desde Março de 1980 até Setembro de 1997, mas essa maior atenção justifica-se de certa forma porque na altura as motos eram uma miragem, extremamente caras e raras. Um verdadeiro luxo.


Moto 4 rodas brasileira de Ago 82
Comecei a comprar revistas de motos por altura de 1982. Tenho ainda à minha guarda duas de Agosto de 1982 onde fazem menção à Honda CX500. Também tenho a minha primeira revista da Motojornal, a edição nº11 de Novembro de 1984. Em referência ao facto das motos serem caras, lembro-me por alturas de 1979, um Renault 12 GTL custava 420.000$00 (2.100,00€) e uma Honda CB900 custava no importador IBA (sito na Praça de Espanha em Lisboa), 900.000$00 - 4.500,00€! Tendo em conta que o equivalente actual ao R12 será um Renault Mégane, que  custa na sua versão mais barata cerca de 24.000,00€,  em proporção, uma moto equivalente custaria agora mais de 48.000,00€!

Moto Jornal nº11
Mas não é tudo. Na revista do Motojornal atrás citada, uma Honda VF1000F custava 2.100.000$00 (10.500,00€). O equivalente actual (mas muito melhor!), uma Honda VFR1200F custa 16.100€! Os modelos de cilindrada superior, vendiam-se tanto, que a Yamaha só comercializava motos de 50 e 125cc, a Suzuki só tinha 3 modelos um dos quais era superior a 125 - a GSX 400, o mesmo que tinha a Kawasaki. A BMW também só tinha 3 modelos e todos eles com 1000 cc, que custavam entre 1.600.000$00 (8.000,00€) e 2.000.000$00 (10.000,00€). Tudo isto em nome da protecção da industria nacional e considerarem aqueles económicos veículos como luxo. A descriminação só desapareceu cerca de 1995 quando se deixou de pagar o imposto extra anual de 15.000$00 para cilindradas maiores de 750 cc (75€-partilhado com os iates e veículos de elevada cilindrada) e o IVA deixou de ser de 34% (o dobro daquele que era aplicado ao resto de veículos)!

Aos 18 anos, por motivos de dificuldade de transporte da aldeia para a escola, o meu pai acedeu em comprar-me uma Casal Boss de duas velocidades, a qual custou 45.000$00 (225,00€) e deu-me o prazer único mais parecido à sensação de voar sem levantar voo.

Desde essa altura passei por vários tipos de motos e percorri cerca de 300.000 Km, e com o passar dos anos acentuou-se cada vez mais o desejo de regressar ao passado, ou seja ter um modelo clássico da altura em que a sua compra era proibitiva.

Na tentativa de conseguir uma, nas minhas limitadas pesquisas (não havia internet), tive sempre a sensação que o mercado estava demasiado rebuscado e era caro, pelo simples motivo de que na altura em que foram compradas novas, eram caríssimas e por isso havia poucas. Mais recentemente constatei que também era (e é) difícil aceder a uma máquina dessas, porque os coleccionadores/restauradores de motos compravam tudo que tivesse mais de 20 anos, deixando pouco espaço a aficionados como eu. Existem actualmente (uns poucos) coleccionadores que acumulam dezenas/ centenas de motos antigas.

Um dia, estava eu em minha casa e ouço uma moto com um trabalhar fora do comum que estacionava junto ao café do lado. Fui vê-la e constatei que era uma Honda CX500, cor vermelha. Uma visão, um encanto.

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