Ao se acabar de restaurar uma moto, a mesma não é só uma mostra da beleza do restauro, torna-se um poço de recordações e de muitas histórias íntimas passadas entre aquele que lhe dedica centenas de horas e a beleza dos seus encantos.
Claro que isso
daria para muitas palavras e muitas páginas, mas como o amor dos outros é
sempre pouco compreendido, torna-se aborrecido para quem o observa ou lê. No
entanto existe uma história ou outra que por ser caricata ou aventureira, até
pode resultar graciosa e por isso resolvi disponibilizar este espaço para as
descrever.
O comutador AM-FM
Apesar de ser
um aficionado ferrenho das motos desde jovem, a CX500 era para mim uma
verdadeira desconhecida. Quando compramos um objecto usado para além de
desconhecido torna-se um verdadeiro mar de surpresas.
Andei anos
para conhecer completamente a CX500 B. Ao comprar a versão A passados 3 anos,
como vinha muito completa, ajudou-me a constatar da falta de alguns componentes
e a existência de outros. Um deles foi o comutador AM-FM.
Andei três anos
a olhar para ele. AM-FM? Mas que raio! Ele lá estava, bem encaixadinho e
funcionava de maravilha, quando tratava de mudar a luz de médios para a de
máximos. Mas porquê AM-FM? Aquilo soava-me a familiar mas estava tão bem enquadrado
que acabei por aceitar aquele estranho botãozinho.
Ao comprar a
versão A, dei logo por falta do comutador e fiquei desconfiado: uma tem o botão
esquisito e a outra não o tem. Hummmm! Aqui há gato!
Lembrei-me de
ir ver no material da CX500 C e verifiquei que essa sim, tinha o e até estava
bem preso. Retirei-o com cuidado e coloquei-o, ou melhor colei-o na minha
recente aquisição, que estava agora a restaurar, mas com isso cheguei à
inevitável conclusão de que o AM-FM não era dali.
Só há bem
pouco tempo é que me ocorreu de onde era aquele botão - dos auto-rádios antigos
que tinham um botão que ao pressionar, mudava-se a banda de rádio.
O comutador AM-FM e o de origem |
Assunto
resolvido, mas faltava arranjar um de origem. Como estava servido com uma
"prótese", não me apressei, mas ironia do destino, daí a pouco tempo
desapareceu e com isso também se partiu a peça onde ele encaixava e fazia parte
do punho esquerdo. Salvou-me mais uma vez o facto de ter uma peça da CX500 C,
mas o comutador continuava em falta.
Como o botão
não se vendia à parte e todo o conjunto novo custava 89,50€ (sem portes),
passei a fazer uma vigilância cerrada no ebay. Ali também só estava disponível o
conjunto, mas custava metade do preço ou menos. Só em Janeiro de 2014 o adquiri
e custou-me 43,80€, já com portes! Mas agora olho para ela e vejo com
satisfação que já não é o botão AM-FM.
Nunca tinha
dado um passeio de muitos quilómetros com a CX500 A e por isso em Julho de
2012, resolvi juntar-me ao 1º Raid de Clássicas organizada pelo Museu do
Caramulo. Foram dois dias muito interessantes, pese embora tenha apanhado no
primeiro dia uma boa molha com chuva de Verão, com que não contava, pois nem sequer
tinha levado um impermeável.
A CX junto a uma espectacular Nimbus dos anos 40 |
O segundo dia
salvou o primeiro, temperado e cheio de sol e depois chegou a hora do regresso
que muito ansiava, pois eram cerca de 140 Km pela nacional N2.
Aconteceu que,
2 ou 3 Km depois de passar Castro Daire, eram cerca das 16h30, o motor começou
a falhar e passou só a funcionar a baixa rotação, quase sem potência,
arrastava-se a 20-30 Km/h. Resolvi parar no primeiro café, que bem conhecia por
passar lá desde que era jovem nas minhas viagens de autocarro e de carro para
Lisboa e ver se de alguma forma apurava o que se estava a passar. Vi logo que
as ferramenta que levava não dava para nada e não tinha seguro de assistência
em viagem (o mal de ter um seguro barato para motos clássicas), mas fiquei logo
a saber por um mecânico de carros dali da zona, que em Mões existe uma oficina
que rectifica os CDI.
Como não tinha
forma de desmontar nada, decidi avançar, mas com medo que não conseguisse subir
até ao alto de Bigorne e depois da Régua para Vila Real.
A passo de
caracol lá subiu e em Lamego fartei-me de parar em diversas casas para saber se
conseguia uma chave de velas, desconfiado de que eram elas as responsáveis por
andar tão pouco. Nada. Continuei a avançar à velocidade do antigo comboio. Às
portas de Vila Real, milagre, em pleno Domingo vejo uma oficina de motos que
casualmente estava lá o dono. Prestou-se a ver a moto e mudou-lhe as velas, mas
tudo continuou igual.
O CDI |
Lá continuei e
às 23h30 estava a entrar dentro de casa. Foram 130 Km a uma média de 18,6 Km/h,
com paragens incluídas. Acho que também nunca gastou tão pouca gasolina.
Como tinha
dois CDI de reserva e são fáceis de mudar, experimentei e bingo! A avaria era
do CDI que estava marado. Ainda não o mandei arranjar, mas quando precisar de o
reparar já sei, vou a Mões!
Os travões que não travavam
Quando comprei
a versão B e a testei, aquilo estava uma verdadeira desgraça: manetes deformadas/partidas,
pneus quadrados (deformados pelo desgaste irregular)e endurecidos pelo tempo,
selector das velocidades mal posicionado e não travava nem à frente nem atrás.
Na roda
traseira vi logo qual era o motivo, estava desafinada a regulação das cintas do
travão de tambor, porém na roda da frente as pastilhas estava boas e parecia
tudo em ordem. Desmontei as pastilhas, limpei-as e passei-lhe um pouco de lixa
e nada. Só resolvi quando lhe coloquei umas pastilhas novas.
Duplo disco à frente |
Mais tarde
consegui falar com o proprietário que foi quem a teve maior parte do tempo (e
melhor cuidou dela), e nessa altura confessou-me que uma das coisas que fazia
era lubrificar os discos com óleo para não enferrujarem.
Aí está a
explicação porque é que os discos da moto pareciam novos. Desconfio que a maior
parte da vida da moto praticamente nunca travou com os travões da frente, pois
estavam com tão pouco desgaste, que pareciam novos!
O estraga a tábua
Conforme ia
conhecendo a CX-B fui vendo com tristeza o muito material de origem que lhe
faltava. Como a tinha comprado em Chaves resolvi investigar quais tinham sido
os donos anteriores. O dono que oleava os travões e era aquele que estava ainda
como o titular de propriedade, garantiu-me que a moto quando saiu das mãos dele
era azul e estava rigorosamente de origem. Aquele que ma vendeu, disse-me que a
teve cerca de 2 anos, mas não lhe tinha mexido em nada e praticamente só dava
umas voltinhas para carregar a bateria.
Vi então que o
responsável pela transformação grotesca que tinha sofrido a pobre moto era o
dono do meio.
Felizmente não
o conheci mas uns familiares deram-me algumas referências do homem. Um
verdadeiro estraga-a-tábua (em tudo o que toca estraga).
O "modus
operandis" aplicava-se a tudo o que lhe viesse à mão: agarrava numa
rebarbadora e decepava tudo que lhe parecesse que estava a mais e deitava as
peças ao fundo de um poço que tinha à beira de casa. Ainda tentei a sorte perguntando
se no fundo desse poço estariam as peças que me faltavam, mas a resposta foi
tão palpável como a consciência do artista que fazia as transformações.
Base do assento a ser restaurada |
A pior que ele
fez na moto e ainda me levou uns tempos a descobri foi a transformação na
traseira. Encurtou a moto 10 a 15 cm e para isso, entre outras coisas, encurtou
o assento e como não devia chegar bem com os pés ao chão, cortou espuma para o
rebaixar.
Com esta
história fiquei a conhecer um daqueles personagens que existem por esse mundo
fora aos milhares e são os grandes responsáveis por compelir de forma prematura
para as sucatas muitos objectos de valor. São os estraga-a-tábua.
Portugal de lés-a-lés
Sim é verdade,
a moto fez um Portugal de Lés-a-Lés em 2008, e portou-se muito bem. Zero
avarias, nenhum consumo de óleo, só lhe faltava um pouco mais de autonomia de
combustível. E quanto a conforto, para além da inerente pouca protecção ao
vento de uma moto sem carenagem, mas que no Verão quente até se
agradece, as curtas suspensões traseiras nunca fizeram queixar-me do rabo ou das costas.
À chegada de um poeirento lés-a-lés |
agradece, as curtas suspensões traseiras nunca fizeram queixar-me do rabo ou das costas.
No ano seguinte
eu o amigo Filipe Lage, companheiro inseparável das longas viagens, resolvemos
ir ver o WSBK a Portimão. Tendo já ele a sua flamante BMW R1200 GS Adv com um
depósito de 36 litros (!) e tendo aquela "espinha" da falta de
autonomia no lés-a-lés, resolvi fazer
uma experiência, e com a preciosa contribuição do Hélder da Motojovem que me
montou de uma forma que parecia impossível, a torneira de combustível.
O esquema do depósito suplementar |
Depois fez-se
uma derivação em "T" no tubo que liga o depósito aos carburadores e
"voilá" fiquei com uma capacidade total de 27 litros, o que me
permitiu ir de Chaves a Portimão com um só abastecimento pelo caminho!
O procedimento
de manuseamento era muito fácil, primeiro gastava a gasolina do depósito
suplementar e a torneira do outro mantinha-a a fechada. Quando acabava, abria a
do depósito, conseguindo assim fazer mais de 350 Km seguidos!
Companheiro!!
ResponderEliminarÉ com grande orgulho que após ler todo o teu extenso blog verifico uma vez mais que nada, mas nada foi deixado ao acaso.
Como sempre perfeitamente estruturado e com um nível de conhecimento muito acima da media.
Não é de negar que sempre apreciei as tuas meninas quanto mais não focem por ser Honda, e como sabes não é uma marca que me deixa indiferente.
Relativamente ao episodio das super bikes nunca me vou esquecer de como fiquei frustrado de após ter atravessado todo o pais na minha nova GSA caríssima, paramos as motas a porta do autódromo e a tua velhinha colapsou totalmente a minha, pois todos, mas todos apenas olhavam para a CX 500 e a minha coitadinha ficava ali a chorar com falta de atenção !!!!
Enfim espero que este blog se torne rapidamente numa enciclopédia de sucesso !!!
Abraço
Filipe Lage
Eh eh! Eu lembro-me disso, mas olha que os admiradores eram quase todos estrangeiros! Aqui em Chaves, das poucas pessoas que vi especadas a olhar para elas e mostraram interesse fazendo perguntas, resultou que eram espanhóis! A cultura motociclista em Portugal está ao nível da tasca e do strip, pelo que espero que este blogue seja uma pequena contribuição para enriquecer conhecimentos. Há tempos, um flaviense muito interessado jurava-me ter visto uma CX igualzinha, fui vê-la e afinal era uma 125. O que tinha em comum era a cor e o ser antiga.
ResponderEliminarObrigado pelas tuas palavras.
Um abraço
Pois é... Depois de ter lido já muitos artigos do seu blogue, comento nesta página, porque de qualquer forma, me faz lembrar um passeio que fizemos em comum.
ResponderEliminarNão deixo de referir que nos temos deliciado com as suas histórias das Hondas e ficamos (tanto eu como o António) especialmente admirados com os pormenores que descreve de tudo que faz e passa com as duas meninas.
Na verdade este blogue poderá ser (como diz mais específico para pessoas que tenham o mesmo tipo de motas) mas duvido que quem o começa a ler não tenha vontade de continuar, sempre à espera de aprender alguma coisa e de novas histórias, que tão bem descreve.
Continue e obrigada por ajudar com a sua experiência.
E já agora, tal como o seu amigo Filipe deseja, eu quero comentar que este blogue vai ser um sucesso.
Um abraço,
Tenho primeiro que reconhecer a minha falta em publicar sem autorização uma foto da vossa magnífica "Nimbus", que é um autentico tesouro rolante, mas que sei que está bem guardado e cuidado. A história do CDI aconteceu exactamente depois do nosso encontro e que nunca lhe cheguei a contar pessoalmente. Sobre aprender comigo, coitado de mim, sou um principiante nestas andanças e por aqui ficarei...
EliminarMais uma vez obrigado pelas suas amáveis palavras.
Um abraço